domingo, 18 de setembro de 2011

O brasileiro lê pouco?


É comum que as pessoas repitam as frases estereotipadas sobre o Brasil sem pensar se elas são verdadeiras ou não. Num certo mês de janeiro, no passado próximo, o gerenciador desde site-blog estava em uma gráfica, conferindo a prova heliográfica de um livro que seria impresso ali. Em certo momento, o funcionário que me atendia soltou uma dessas frases hipnóticas:

- Pois é, o Brasil só começa a funcionar depois do Carnaval...
Ao que respondi:
- E você, está trabalhando em pleno mês de janeiro?
- Claro que sim! Vou ter que trabalhar até neste fim de semana!
- E a Gráfica, está todo mundo trabalhando?
- Sim, estamos cheios de serviço, não dá pra parar, não!
- E os ônibus que vem para este bairro? Os motoristas estão trabalhando normalmente?
- Ô, se tão! Peguei o ônibus hoje às 5:30 da matina!
- Eu também saí cedo - respondi - Fui à Biblioteca Nacional, um órgão público, e os funcionários estavam todos lá, trabalhando normalmente. Então, o Brasil já está funcionando antes do Carnaval, não é mesmo?
Ele ficou pensativo, por um momento, depois mudou de assunto. Será que saiu de seu transe hipnótico?

Outro paradigma é de que o brasileiro não lê. Mas será que essa também não é uma mentira que, repetida mil vezes, torna-se verdade, como pontificou o ministro da propaganda de Hitler?

Vejamos alguns dados: no Brasil temos cerca de 2500 a 3000 livrarias (não se sabe esse número com precisão). Ou seja, uma livraria apenas para cada dois municípios brasileiros. Esse dado é um indício de que os brasileiros leem poucos livros.

Mas sabemos que há outros pontos de venda, como os sebos. Temos cerca de 3000 sebos em todo o país. Então, somando-se as livrarias e os sebos, há um ponto de venda para cada cidade brasileira. As perspectivas já não parecem tão sombrias, não é mesmo? Ainda mais se imaginarmos que os sebos vendem uma quantidade muito maior de livros que as grandes redes de livrarias.

Um outro dado não pode nos passar despercebido: existem, no país, cerca de 30.000 bancas de revistas. São pontos de venda de livros, revistas, jornais, etc. As maiores são verdadeiras lojas de conveniência.

Portanto, temos 36.000 pontos de venda de publicações, entre livros, revistas e jornais. São cerca de 7 estabelecimentos para cada cidade brasileira. Um para cada 5.000 habitantes. O cenário agora parece bem mais propício à leitura, não é mesmo?

Ao visitarmos uma dessas bancas de revistas mais sofisticadas, vemos que há dezenas de revistas de tricô, dezenas de revistas de artes marciais (há uma de Ai-ki-dô e outra de Hap-ki-dô, lembrando-nos que são artes marciais diferentes). Há revistas de ciência, de religião, de variedades, de regimes, de fofocas, enfim, de uma infinidade de temas. É caso de se perguntar, como diz a música: Quem lê tanta notícia?

Se há público para tantas publicações, é porque o brasileiro lê, sim. Só lê poucos livros. Qual será o motivo dessa preferência por revistas e jornais? Neste espaço só podemos arriscar palpites:
- as escolas brasileiras (tanto as públicas como as particulares) não incentivam a leitura de livros além dos usados no currículo. As exceções confirmam a regra;
- ao ler jornais e revistas brasileiros, o público se acostumou à superficialidade que caracteriza a maioria das publicações.

Sobre esse segundo item, devemos lembrar que nosso jornalismo se espelha bastante no dos EUA, que segue uma linha de superficialidade. Lá, como aqui, evita-se ir muito fundo na análise das notícias, supostamente para não cansar o leitor. É um jornalismo feito para Homer Simpson. Um(a) jovem que comece sua experiência de leitura por esses jornais e revistas terá dificuldade de ler um livro um pouco mais longo, ou um pouco mais profundo. É uma questão de treinamento cerebral.

As publicações noticiosas, na Europa, sempre seguiram outra filosofia, totalmente diferente. Lá, os assuntos abordados são esmiuçados de forma mais detida e profunda, estimulando a reflexão do leitor. Não por coincidência, o índice de leitura de livros na Europa é bem maior do que o registrado nos EUA. Mas, lastimavelmente, a Europa começa, também, a enveredar pelos caminhos falaciosos da superficialidade, seguindo os cânones da mídia estadunidense.

A solução encontrada por alguns editores nos EUA para aumentar a venda de livros foi produzir livros superficiais, que se adequassem ao perfil do leitor, ao invés de tentar mudar para melhor esse perfil. Aqui também iremos pelo mesmo caminho?

Como já dissemos em outros posts desse site-blog, o eBook representa uma oportunidade de ouro para ampliarmos a quantidade e a qualidade do leitor brasileiro. Seu custo reduzido, sua facilidade de produção, podem ser a chance das pequenas editoras mostrarem a que vieram, ajudando a evolução do país.

Que os leitores de revistas tornem-se também leitores de livros.


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